O Exorcista

25/06/2012

“O Exorcista” foi o pioneiro dos filmes de possessão demoníaca. Tudo que conhecemos hoje no cinema envolvendo o assunto possui escancarada inspiração no clássico de 1973. O filme conseguiu explorar as principais facetas do diabo em cenas que, quase quarenta anos depois de filmadas, ainda fazem muito expectador se benzer com mais frequência do que de costume.

Regan (Linda Blair) é uma menina meiga de 12 anos, filha da atriz Chris MacNeil (Ellen Burstyn). Inexplicavelmente, a garota começa a apresentar um comportamento agressivo, o que leva Chris a procurar ajuda psiquiátrica. Aos poucos, Regan vai se transformando num irreconhecível monstro e, após frustradas tentativas de tratamentos médicos, sua mãe é aconselhada a buscar uma consultoria religiosa.

Coisinha bonitinha

Chris conhece Damien Karras (Jason Miller), um padre e psiquiatra cético em crise com a sua fé. Ele visita a menina, realiza alguns testes e, constatando se tratar de uma possível possessão, chama o padre Lankester Merry (Max von Sydow), um velho doente experiente em exorcismos. A partir daí, o tinhoso, que já estava muito exibido, faz a festa.

Existem características básicas que fazem do capeta de ”O Exorcista” um personagem completo, de modo que viraram elementos de uma receita corriqueira nos filmes posteriores que abordaram o exorcismo. Eis os adjetivos que William Friedkin usou para construir o capiroto:

1ª) Dissimulado: Ele mente, entra em contradições e confunde, é um ótimo ator;

2ª) Manipulador: Está no controle da situação, ainda que faça parecer o contrário. Conhece as fraquezas dos que o rodeiam e as utiliza para deixá-los vulneráveis;

3ª) Obsceno: seu objetivo é chocar, seja falando palavrão, seja socando crucifixos em locais inapropriados;

4ª) Superpoderoso: Tem a força de cinco marombeiros juntos, flutua, move objetos sem tocá-los;

5ª) Contorcionista: Desce escadas e gira o pescoço de um jeito que coloca o Cirque du Solei no chinelo;

Clássica. Tente fazer em casa.

6ª) Feio de doer: possui feições cadavéricas e animalescas;

7ª) Sádico: Safado que gosta de trollar a galera; aquela risadinha que ele dá no final depois de fazer uma traquinagem, não tem preço.

Misture os ingredientes na batedeira, unte a forma com manteiga e farinha de trigo, leve ao forno por quarenta minutos. O resultado é tiro e queda: pequenos calafrios; aversão a qualquer brincadeira que envolva tábuas de ouija e similares; aquela convicção desgraçada de que o demônio é um espírito, portanto pode estar em qualquer lugar, inclusive dentro do meu quarto escuro na hora em que estou tentando dormir. Tudo que eu preciso num fim de semana tedioso.

Existem diversos boatos envolvendo acidentes no set de filmagens, maldições sobre atores, infartos fulminantes de expectadores, porém não me aprofundarei no assunto, já que muito do que foi especulado nesse sentido acontece sempre por aí: incêndios são comuns, pessoas morrem mesmo, e meninas que interpretam um troço horroroso daqueles provavelmente desenvolvem problemas mentais, oras. Tudo muito normal.

Regan era uma menina pura e boazinha, e mesmo assim o capeta fez o que fez com ela. Você não deve ser tão bonzinho quanto Regan, né? Então. Durma com essa. Um abraço.

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Marcelo Cardins


50/50

13/04/2012

O que fazer quando tudo o que se tem na vida é 50% de chance de viver?

50/50 conta história de Adam (Joseph Gordon-Levitt) que não bebia, não fumava e não transava (há três meses). Tinha uma vida saudável e não dirigia porque acreditava ser uma prática insegura – as estatísticas confirmavam. Como disse seu amigo Kyle (Seth Rogen), era um velho de 85 anos em boa forma… Mas ele só possuía 27. Descobriu que tinha câncer.

Adam não tinha uma vida ruim, tinha uma namorada bonita, um amigo alto astral e uma mãe redundantemente sufocante (Angelica Houston). É óbvio dizer que a partir da descoberta do câncer sua vida mudou. Quando descobriu o câncer, descobriu também que sua namorada o traiu, que a preocupação excessiva de sua mãe não era tão sufocante assim e que seu amigo era mesmo seu amigo (Ah! Dirigiu também). E pôde perceber tudo isso não só através das próprias ironias da vida, contou também com a ajuda da terapeuta Katherine (Anna Kendrick) por quem se apaixonou.

Vendo a sinopse, o filme não parece ter nada de extraordinário a oferecer; e não tem mesmo. Este é o ponto alto (altíssimo) do filme. O roteiro muito bem dirigido conseguiu captar a simplicidade dos percalços da vida de maneira singular. É um filme agradável, os personagens são ótimos e, jamais, ele força a barra para te fazer chorar, embora trate de um tema que o cinema oportunista usaria as lágrimas da massa para arrecadar bilheteria.

Recomendo urgentemente para quem ainda não assistiu. É um filme que te dá oportunidade de marejar os olhos e soltar boas risadas espontaneamente. Aliás, espontaneidade é a palavra-chave desse filme. Bom roteiro, boa direção e boas atuações. Um drama-comédia que foge dos clichês cinematográficos, mas confirma um clichê da vida: parece mesmo que há males que vêm para o bem.

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Ezequiel Fernandes


A Garota Ideal (2007)

29/12/2011

O indivíduo introvertido é aquele que se sente mais à vontade em seu mundo, em não ultrapassar o limite – que é ele próprio – que separa o individual e o social. Eu não sei o que os mais entendidos dizem a respeito da introversão, mas acho que existem introvertidos e introvertidos – “o oito e o oitenta”. Eu, Ezequiel, sou oito. Ryan Gosling, em A Garota Ideal, faz o papel de Lars, um introvertido do tipo oitenta.

Lars and the Real Girl (título original), conta a história de um rapaz muuito tímido, que mora na garagem vizinha a seu irmão mais velho e sua cunhada (Emily Mortimer) numa cidade pacata interiorana. Quando Lars anuncia sua namorada, assusta, pois isso não era esperado. Mais inesperado ainda era o fato de Bianca, sua namorada, ser uma boneca sexual inflável – segundo ele, era uma missionária meio dinamarquesa, meio brasileira. A reação de seu irmão e cunhada é de susto, claro; mas visto o grau de situação mental de Lars, deram apoio a ele e pediram ajuda à psicóloga Dagmar (Patricia Clarkson).

Com o desenrolar do originalíssimo roteiro, nos deparamos com a aceitação dos moradores daquela pequena cidade com os inusitados namoro e namorada de Lars e, ao mesmo tempo, a aceitação dele de si mesmo. Bianca, além de quebrar paradigmas (pois todos nós sabemos quais as intenções de se ter uma boneca dessas) de uma cidade pequena e tradicional, serve de alavanque para a vida de Lars. Ryan Gosling foi perfeito para o papel, assim como todo o elenco foi bem escolhido: tudo ficou muito natural e fluido frente a uma premissa tão estranha.

Quando assistimos a esse filme, acabamos notando que Bianca não só serviu como suporte para Lars, como também para nós, para aceitarmos aquela situação. É incrível como o roteiro foi eficiente ao ponto de nos fazer ficar tão apaixonados por ela. No início é meio esquisito, engraçado e até incômodo, mas, aos poucos, tudo isso vira pura comoção e envolvimento. É, com certeza, um filme muito sensível.

A mensagem que eu captei foi a seguinte: todos precisamos de uma Bianca em nossas vidas. Uma situação ou outra nos deixa mais desconfortáveis ou nós mesmos nos sentimos desencaixados nelas; não é necessário introversão exacerbada como a de Lars para tal. Esse filme, além de muito bonito, nos ajuda a conhecer mais a nós mesmos.

Todo mundo tem seu mundo. Todos são introvertidos. Ou vocês nunca pararam para pensar que a própria extroversão é, também uma “Bianca”. O extrovertido precisa sê-lo para se socializar. Então, onde ou de que maneira a sociedade te deixa desconfortável e no que você se apega para vencê-la? Em A Garota Ideal, o apoio é uma boneca inflável. Metáfora fina.

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Ezequiel Fernandes


Ed Wood (1994)

28/11/2011

O talento é algo discutível e anacrônico. Ter muita aptidão e destreza para realizar certos feitos, é ter talento para tal. Engraçado é que o conceito de talento tendeu para o sentido de que, ser talentoso é ser o melhor no que faz atendendo aos padrões majoritários. Dessarte, quem se destaca como o pior no que faz, é tido como “sem talento”. E foi partindo dessa premissa que o diretor Tim Burton, com seu cinema de exceção, faz uma homenagem ao melhor dos piores de todos os tempos na arte de fazer cinema. Um filme que contém metalinguagem já é suficiente para merecer minha atenção.

Ed Wood é um drama-comédia biográfico de Edward Davis Wood Jr, que carrega em sua lápide o epitáfio de “O pior cineasta de todos os tempos” – considerado por muitos críticos. Johnny Depp, mesmo em suas primeiras parcerias com Burton, já estava muito a vontade com o estilo esquisito do diretor. Mas aqui, como de costume, ele não é o destaque máximo do filme, apenas faz parte de todo um elenco porreta – não quis dizer com isso que Depp não estava em boa forma; não, pelo contrário, mas teve o seu brilho dividido.

Ed Wood acreditava no seu talento para fazer cinema, mas sempre foi barrado pelo descrédito dos estúdios e da falta de grana. E seus talentos maiores, acredito eu, era a persistência e, principalmente, a paixão pelo que fazia. Seus roteiros eram desconexos, estranhos; com o pouco material que detinha, aproveitava filmes já rodados e fazia sobreposição de imagens. Era fã de Orson Welles, pois se identificava com a sua capacidade de inovação, e do inesquecível Conde Drácula (Bela Lugosi) que foi interpretado com atuação oscariada de Martin Landau. Estes foram definitivos para dá força a Ed. A verossimilhança de todos os personagens são de dá gosto ao cinéfilo. O longa é mesmo muito bom; tudo funciona.

“Glen or Glenda?” foi o primeiro “sucesso” de Ed mostrado no filme e “Plan 9 From Outer Space” marcou gerações inspirando máscaras de Halloween. Seus filmes tinham um pouco de terror, comédia e erotismo muito típico em filmes “B”. O longa de Burton é uma pequena obra prima do cinema e um dos melhores que assisti do diretor. Ed Wood serve de inspiração a muitos, principalmente, às mentes criativas que estão à frente de seu tempo. Hoje seus filmes são considerados clássicos trashs e, de quebra, virou cult para os admiradores do gênero. Infelizmente, talentos como esses, caem no clichê de serem valorizados somente depois que partem dessa para melhor.

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Ezequiel Fernandes


Um Festival em Cannes (2001)

31/10/2011

Imagino que todo cinéfilo já sonhou em assistir aos grandes eventos do cinema mundial, participar das premiações e, quiçá, levar um troféu para casa. O mundo cinematográfico parece mágico (e é mesmo), mas, de fato, há muito mais trambique, negociações, fachadas do que magia nesse meio – ou talvez tudo isso também faça parte dessa magia. Esse filme aqui mostra um pouco do que está por trás da tela.

O filme se desenrola na cidade francesa de Cannes, cenário de um dos eventos mais importantes do cinema, em plena temporada de premiações. O longa é bem interessante, pois aborda várias facetas: uma atriz com pouca grana que busca seu primeiro trabalho como diretora; um “faz tudo” que tanta ganhar seu espaço nesse mundo na lábia; um produtor comercial hollywoodiano competindo espaço com o cinema independente; uma atriz de 60 anos que tem que decidir entre o papel principal e cachê baixo ou o papel de “mãe” e muitas cifras; um diretor famoso estagnado e ainda uma atriz de teatro que ganhou ótimas críticas no filme do momento de Cannes e que deseja não se ensoberbecer devido o estrelismo que a espera. Achou muito? Ainda há alguns secundários.

Embora pareça um filme bagunçado pelo excesso de informações que tem, o diretor Henry Jaglom conseguiu interligar todas essas facetas de uma forma bem madura, digamos assim. Todas essas personagens compartilham o conflito principal (que é o mundo do cinema) em meio a vários romances, mas sempre lembrando que romance é romance, negócios à parte. Eu nunca tinha ouvido a respeito desse filme, mas gostei de verdade. Gostei muito. Achei original, uma metalinguagem bem feita e bons atores com bons personagens. A obra é bem leve e me convenceu.

De fato, o filme me surpreendeu no bom sentido. Depois que assisti, liguei o PC e fui procurar sobre ele e só achei uma página em inglês na Wikipédia; fiquei decepcionado. Não sei da opinião de ninguém, nem de crítica alguma; parece ser um filme sem prêmios e que ninguém o tem como preferido. Tenho receio de dizer o que direi agora, pois sou meio clichê e gosto de filmes que os mais entendidos descartam, mas se já não tinha, o longa ganhou seu primeiro fã: eu.

Se, segundo quem realmente entende do assunto o filme não merece notoriedade – pois foi o que me pareceu –, uma coisa é certa: ele funcionou muito bem para mostrar que existem muitos filmes despercebidos por aí que têm a sua qualidade. Nesse aqui eu vi muita e, graças a quem inventou esse ditado, “gosto não se discute”. E uma delas, que não posso deixar de citar, é a trilha sonora. Quem melhor do que a música-símbolo da cultura francesa, de Edith Piaf, para tocar? Foi ótimo passar o domingo com Piaf na cabeça. “Cantei” tanto que meu irmão mandou que eu calasse a boca. Quando silenciei, bastaram cinco minutos para ouvir do meu quarto alguém assobiando ‘La vie en rose’ na sala.

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Ezequiel Fernandes